Como brigas e grosserias podem afetar a vida sexual do casal?
Gosto muito de um texto do Rubem Alves onde ele compara os relacionamentos dos casais a dois tipos de jogos: o tênis e o frescobol:
Tênis é assim: recebe-se o sonho do outro para destruí-lo, arrebentá-lo, como bolha de sabão… O que se busca é ter razão e o que se ganha é o distanciamento. Aqui, quem ganha sempre perde. Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo que deve ser preservado, pois se sabe que, se é sonho, é coisa delicada, do coração. O bom ouvinte é aquele que, ao falar, abre espaços para que as bolhas de sabão do outro voem livres. Bola vai, bola vem – cresce o amor… Ninguém ganha para que os dois ganhem. E se deseja então que o outro viva sempre, eternamente, para que o jogo nunca tenha fim…
Existem aqueles que não agridem com palavras: agridem com silêncio. Talvez cansados do jogo de palavras ou assustados com o efeito delas, deixam o parceiro em campo jogando sozinho. Para estes, uma notícia: não há pior solidão do que a solidão a dois. Esta solidão, num relacionamento, talvez seja uma das piores raquetadas.
Por mais que haja silêncio para evitar maiores brigas ou que o silêncio seja pontual e para reorganizar ideias, o processo interno que implica em silêncio não pode durar muito tempo sob pena de ser interpretado pelo outro como sinal de desistência, de que o silente não se importa e que não quer enxergar as necessidades e o sofrimento de quem está ao seu lado. A ausência de palavras é como o bicho-papão das nossas histórias de crianças: assustador por não ser visto e nem ouvido. Tememos mais a nossa própria imaginação.
Os homens até conseguem ter – mais do que as mulheres – sexo dissociado de afeto, mas eles também se ressentem se seu relacionamento está ruim e podem não desejar sexo com sua parceira. Podem até tentar o famoso sexo de reconciliação, mas se no dia seguinte as raquetadas persistirem, a tendência é que o sexo tenha servido apenas como uma forma de descarga de tensão sexual que não vale muito a pena repetir. Afinal, a mulher que o agride passa a ser pouco desejável porque, ao agredi-lo reiteradamente, o ataca também em sua masculinidade. A virilidade dele, que até pode ser desejada por ela, pode sair comprometida. Alguns casais conseguem ser exceção à regra e ter uma vida sexual intensa mesmo tendo um relacionamento marcado por competições e brigas, mas dificilmente o sexo será capaz de reconectá-los emocionalmente. Uma coisa é desejo fisiológico. Outra, é desejo de aproximação e troca afetiva.
As mulheres costumam vincular fortemente sexo a afeto e à qualidade do relacionamento. Possivelmente não estarão disponíveis emocionalmente para acariciar um homem que as trata mal e costumam levar um bom tempo pra superar uma agressão verbal. Magoam-se, ressentem-se e se afastam. E não é sexo que costuma trazê-las de volta.
Excetuando-se os casos específicos de disfunções sexuais/ hormonais, se o relacionamento vai bem a tendência é que a vida sexual do casal também vá. E aqui, por favor, não faça a leitura equivocada de que é só propor uma vida sexual prazerosa que o casamento irá bem. Sexo prazeroso costuma ser conseqüência de um bom relacionamento e não o contrário.
Para alguns casais, as diferenças de personalidade, preferências e temperamento ocasionam brigas que os afastam e este afastamento gera a falta de sexo. Para outros, a diminuição na frequência sexual leva a tantas brigas que os casais se afastam (frequentemente um quer sexo e o outro não) e esta pode ser uma das causas de brigas. Uns brigam tanto que não têm sexo. Outros, não têm sexo. Então brigam. Quem disse que seria fácil?
Quando se fala em relacionamentos sexo nunca é apenas sexo. Sempre comunica uma série de fatores que extrapolam a questão do desejo físico ou carnal. Comunica, acima de tudo, o quanto há de carinho, afeto, parceria, cumplicidade, gosto pelo toque e pela presença do outro em nossas vidas muito mais do que em nossas camas. Comunica desejo numa concepção bem mais ampla da palavra.
Não são poucos os casais que passam dias e até semanas sem se falarem. O sentimentos de rejeição, baixa autoestima, raiva, solidão e abandono costumam estar presentes numa dinâmica de casal em que um (ou ambos) prioriza ter razão acima do desejo de estar em paz com o outro. Para alguns casais pode ser muito difícil conseguirem reaproximarem-se sozinhos. A competição e as mágoas podem estar tão presentes e serem de tal magnitude que qualquer sinal de trégua emitido pelo outro pode ser percebido como fraqueza ou visto como manipulação, tamanhas a desconfiança e a resistência já estabelecidas.
Todos os casais têm seus motivos de divergência e discordâncias. Quando for o caso, brigue a "briga boa”: aquela em que você consegue expor seus pontos de vista com cuidado, escolhendo as palavras, sem agredir nem ofender o outro. Este tipo de abordagem costuma levar à proximidade e aumentar a intimidade.
A briga burra, aquela na qual sobram gritos, agressões, ofensas ou silêncios ressentidos, costuma levar a um único desfecho: aquele em que você se sente infeliz e jogando sozinho. Se este for o tipo de briga que caracteriza seu relacionamento, busque ajuda. O amor que um dia uniu vocês pode estar ferido de morte e, por mais que você possa se esforçar, não se joga frescobol sozinho.
*Se você quiser ler a crônica Tênis e Frescobol, de Rubem Alves, clique no link:
https://www.asomadetodosafetos.com/2016/03/tenis-x-frescobol-_-rubem-alves.html