Não se iluda: velhos problemas costumam viajar no fundo da mala.


Imigra-se com esperanças, com sonhos, com expectativas. Mesmo administrando a dor da perda do que se deixou pra trás, a mudança traz em si a crença de que a vida no novo país poderá ser melhor. Pode-se, inclusive, trazer uma ingenuidade incomum: a de que a mudança, por si só, será a solução para velhos e conhecidos problemas.

Problemas anteriores à mudança, como crises conjugais, dificuldades com os filhos ou mesmo de interação social podem passar por um período de trégua logo após a mudança de país. O encantamento inicial pode produzir na família uma pausa momentânea para imergir na nova cultura e nas benesses da vida tão sonhada. Andar na rua sem medo de sofrer assaltos ou violência, estacionar sem medo de ser roubado, falar ao celular em qualquer lugar sem sobressaltos, usufruir de transportes e educação pública de qualidade: tudo isto traz o conhecido sentimento de satisfação e encantamento que costumam estar presentes nos primeiros tempos  em um país do chamado primeiro mundo.  O padrão de relacionamento das pessoas e famílias, no entanto,  costuma ser o mesmo – não importa para qual lugar do mundo elas se mudem. No caso dos relacionamentos mais difíceis, logo aparecem uma implicância aqui, uma rispidez ali, uma falta de respeito acolá. Observamos na prática clínica, inclusive, que a instabilidade emocional gerada pela mudança de país pode tornar ainda piores aquelas dificuldades de relacionamento já conhecidas.

Mudar de país não melhora casamentos, não transforma filhos em europeus educados, não transforma magicamente uma pessoa em alguém mais paciente, focada, organizada, tolerante ou educada, a menos que haja um esforço consciente neste sentido. O convívio no novo país pode, inclusive, agravar sofrimentos antigos e eclodir novas angústias, porque junto com eles há uma carga extra de exigência emocional para a integração à nova vida. Além do que, costuma ser fortemente sentida a ausência da rede social de apoio que costumeiramente havia no país de origem. A pessoa que imigra tem inúmeros “temas de casa” pra fazer: absorver uma nova cultura e novos costumes, integrar-se na nova comunidade, boa parte das vezes buscar trabalho e adaptar também seus filhos. Se todo este processo costuma causar ansiedade e deixar à flor da pele mesmo os relacionamentos mais saudáveis, você consegue imaginar o que ocorre nos relacionamentos mais complicados?

A boa notícia é que nem tão no fundo da mala costumam estar uma grande motivação para ser mais feliz e um bom grau de abertura ao novo. A maioria das famílias chega com disposição de escrever uma nova historia e nesta história parece não caberem mais os conflitos de sempre, acompanhados por suas soluções surradas. Pode ser um ótimo momento para se iniciar um processo de psicoterapia que vise melhores formas de comunicação entre casal e família e que fortaleça vínculos. Que tal aproveitar o que a nova vida pode trazer de melhor e despachar de vez e para bem longe de você formas não saudáveis de se relacionar?


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