A nostalgia presente no Natal: o quanto podemos nos sentir vulneráveis, sozinhos e incompletos?



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Por melhor que seja a nossa vida, ela nunca será páreo para a leveza que experimentávamos na infância e para as propagandas meticulosamente desenvolvidas para mover-nos no tempo de volta àquele lugar mágico que um dia habitamos ou gostaríamos de ter habitado. Os comerciais de TV retratam famílias amorosas, presentes, alegres, que se cuidam e se preocupam com cada detalhe. Mostram irmãos afastados pelo tempo ou por desavenças que resolvem suas diferenças dentro de um abraço. Mostram filhos que retornam à casa trazendo na mala saudade e carinho. Idosos saudáveis e sorridentes, que pegam crianças no colo e subliminarmente trazem a mensagem de que a família durará para sempre e que para sempre será só felicidade...

A cada mensagem de perfeição, a cada musiquinha natalina que deixa você nostálgico, você é levado a pensar que sua vida deveria ser bem melhor... Pronto! A ansiedade e a tristeza foram acionadas e passam a fazer parte da festa.

Se formos buscar uma definição para nostalgia, facilmente encontraremos “uma sensação de saudade idealizada, e às vezes irreal, por momentos vividos no passado associada a um desejo sentimental de regresso, impulsionado por lembranças de momentos felizes e antigas relações sociais”.

Alguns de nós vivenciam o sentimento de perda pela vida leve e despreocupada, quando brincávamos seguros de que algum adulto resolveria todos os problemas e teria respostas para todas as nossas dúvidas e inseguranças. Vivíamos um mundo de fantasia, no qual bastava ser bem comportado que uma figura mágica chamada Papai Noel traria os presentes sonhados. Não pensávamos que Papai Noel não vinha para todos, éramos crianças, não tínhamos esta crítica. Apenas fantasiávamos.

Em todo o nosso desenvolvimento emocional não parece haver força mais latente do que a gerada pela nostalgia das memórias e sonhos da infância. Nossa capacidade de brincar, de rir despreocupadamente, correr, jogar e ver a vida com os olhos de criança.

A cada Natal, a saudade de olhar o mundo com este olhar volta forte. Saber que temos tantas responsabilidades e obrigações contrasta ainda mais intensamente com a leveza que um dia já experimentamos.

Alguns de nós não sentem tanto a perda da própria infância, mas sentem o vazio de não ter mais em casa seus filhos pequenos, que faziam com que esta época e o Natal em si fossem vivenciados como muito mais sabor. A conhecida síndrome do ninho vazio…

Existem, ainda, os casos de famílias muito desestruturadas, que nem de longe trazem o sentido de família amorosa que o Natal representa. Familiares com doenças terminais ou incapacitantes, familiares que morreram e nunca mais estarão presentes para festejar conosco. Estas ausências se fazem ainda mais presentes com a chegada do Natal, o que pode ser avassalador.

Na época de Natal, cada um de nós pode sentir acionada dentro de si a dor que mais ecoa em seu peito.

O Natal, muito mais do que celebração da vida e da família, nos lembra nossa finitude e a fragilidade das nossas relações e isto pode causar, sim, muita tristeza. Nestes casos, muitas vezes apenas a psicoterapia é capaz de fornecer auxílio e ferramentas para lidar com tamanha dor. Pode ajudar a entender como se reinventar, se reconstruir e em que se apegar quando tudo parecer sem sentido.

Paradoxalmente ao simbolismo de felicidade que envolve o Natal, temos uma data no calendário que nos mostra o quanto podemos nos sentir vulneráveis, sozinhos ou incompletos. 

Na maioria dos lares é um tal de arrumar, limpar, comprar, decorar e deixar tudo alegre, bonito e colorido… Seria uma tentativa de anular este sentimento de vazio, de frustração e de perda? Ao deixar tudo bonito por fora estaremos tentando preencher o vazio de dentro, que não é nada bonito ou agradável de se ver e sentir? 

Viramos adultos, descobrimos que soluções mágicas não existem e não temos os super-poderes que nossos filhos pequenos nos atribuíam- e que atribuíamos aos nossos pais. E se estivermos frustrados porque terceirizamos a realização de nossos desejos, como as crianças fazem no Natal? E se estivermos esperando magicamente que a vida faça justiça à pessoa bacana que nos tornamos e nos presenteie com a realização dos nossos sonhos? Seguimos sonhando de forma infantil, mesmo sendo adultos?

Como lidar com o luto da vida idealizada e perdida?

Pra começar, fazendo as pazes com a vida real. Assimilando que nada é perfeito- nem nós, nem nossa família, nem nossos amigos, nosso trabalho ou nosso cachorro. Entendendo que nossos sucessos dizem respeito à quantidade de esforço e suor despendidos, mas que nem tudo é passível de ser conquistado. Que a vida é feita de alegrias e tristezas, de vida e de morte, de perdas e ganhos, de erros e acertos.  Em alguns momentos, as coisas parecem ir mesmo muito mal, mas em seguida tudo parece melhorar e isto, via de regra, é o que a vida tem a nos oferecer. Ciclos e mais ciclos de coisas muito boas e coisas nada boas. 

Neste Natal, tenha o Natal possível. Se sentimentos dolorosos aparecerem, acolha-os. Eles também fazem parte de você e são eles que nos movem a empreender esforços para superar as dores e promover as mudanças que gostaríamos de ver em nossas vidas.

Sonhe sempre, mas sonhe sabendo que o responsável pela realização de seus sonhos o encara no espelho a cada manhã meio sonolento e com a cara amassada.

O Papai Noel agora é você.

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