Imigrar com filhos sem limites e sem noção de hierarquia.
Mesmo que façamos uma espécie de pacto familiar interno de que faremos uma ampla modificação em nossas vidas a partir da mudança para outro país, a tendência mais comum é levarmos hábitos, costumes e matrizes de relacionamento como se eles também estivessem na mala. E a disfuncionalidade pode pesar ainda mais do que pesava em nosso país de origem.
Infelizmente, não são raros os casos de filhos que agem como verdadeiros tiranos que escravizam mães e pais a seu bel prazer. Crianças e adolescentes que decidem o que vai ser visto na TV pela família, que só concordam em sair para almoçar se forem eles a escolher o restaurante ou que determinam o local das férias da família. Monopolizam os programas familiares conforme seu exclusivo interesse e o wi-fi é como se fosse o ar que respiram: simplesmente não admitem ficar sem ele, mesmo que por períodos curtos. Não desgrudam do celular nem mesmo às refeições – isto, quando saem do quarto para fazer refeições em família. Para que desempenhem tarefas simples do dia-a-dia costumam ser travadas verdadeiras batalhas – e não estou falando apenas em estudar para provas ou fazer trabalhos escolares: refiro-me à resistência até às coisas mais prosaicas da vida, como tomar banho e escovar dentes.
Uma parcela significativa de filhos já crescidos e adolescentes pertencentes a esta peculiar tribo parece acreditar que veio ao mundo para fazer apenas o que lhes dá prazer e age como se acreditasse que cabe aos adultos (sobretudo aos pais) todo o trabalho chato. E aí vemos mães ou pais que carregam as mochilas de filhos crescidos na entrada e na saída da escola enquanto o filho segue alegremente conversando com os colegas; pais que revisam as mochilas dos filhos todas as noites para certificarem-se de colocar os livros certos para as aulas do dia seguinte, pois o filho não está minimamente preocupado em deixar o vídeogame de lado para tratar disso; pais que controlam as datas de provas, trabalhos e compromissos do filho não para supervisionar e acompanhar seu desempenho, mas tomando para si a responsabilidade de agendar-se para estudar -sim, alguns pais fazem os temas de filhos marmanjos junto com eles e estudam para as provas como se fossem eles a prestá-las. São inúmeros os pais que agem como se o compromisso e o dever de estar atento às obrigações escolares fossem deles e não do filho. O que na nossa geração era trabalho de aluno e era supervisionado pelos pais, nestes casos virou trabalho dos pais, que se sentem angustiados e sobrecarregados boa parte do tempo, mas não conseguem vislumbrar solução. A mãe parece ser mais atingida pelo fenômeno do que o pai, e é sobre ela que costuma cair o peso de lidar no dia-a-dia com filhos totalmente sem noção de compromisso, hierarquia ou limites. Basicamente, vivem em uma bolha construída por eles com a anuência da família. As tentativas de parte dos pais para a mudança destes comportamentos costumam vir sob a forma de sermões intermináveis, ameaças e até agressões físicas, mas estes pais parecem esquecer o básico da educação que já era transmitido por nossos avós: manda quem pode, obedece quem precisa. Se o filho não sofrer qualquer sanção por não fazer a sua parte, por que ele haveria de fazê-la? Se ele não é educado pelos pais para fazer, por que haveria de mudar, se pode ser tão mais fácil bancar o eterno bebê e viver regido pelo princípio do prazer?
O que você imagina que acontece quando uma família assim muda de país? Costuma ocorrer a repetição dos padrões de comportamento e relacionamento conhecidos e a vida pode ficar ainda mais difícil.
Comumente assistimos que um dos pais já chega no novo país com trabalho ou focado em obtê-lo e caberá ao outro assumir as questões relativas à integração dos filhos na escola e na comunidade. A sobrecarga sobre aquele que fica encarregado de conduzir crianças ou jovens com tão poucas habilidades e ferramentas internas certamente pode ser imensa e o dano sobre esta mãe ou pai fará com que seu próprio processo de imigração seja mais penoso e sofrido.
A notícia boa? Aqui em Portugal (como nos demais países europeus, Canadá e EUA) não costumam ser bem aceitos “filhos reizinhos”. Rapidamente, as professoras, colegas e a própria escola darão mostras do quanto certos comportamentos não são bem aceitos e a família precisará se adequar. Um ótimo momento para buscar ajuda profissional e passar a estabelecer outras formas de relacionamento dentro da família e obter a necessária hierarquia, organização, respeito e limites entre pais e filhos.
Aqui em Portugal você verá em toda parte belos palácios onde viveram reis de verdade. Não empodere seu filho fazendo dele o rei de sua casa. O sofrimento também será dele a médio e longo prazo, acredite.
Precisa de ajuda? Busque. A mudança de país, por si só, já exige bastante de você. Não permita que formas nocivas de relacionamento se consolidem e prejudiquem sobremaneira o seu recomeço e de sua família.