O português dos brasileiros e o português dos portugueses


libro-lentes-blur.jpg

A língua portuguesa teve origem no latim e no galego (falado na província da Galiza, que hoje pertence a território espanhol), no entanto sofreu inúmeras alterações desde a sua origem até chegar ao português que conhecemos hoje em dia. Foi a partir de 1139, com a formação do Reino de Portugal, que se deu a expansão da língua portuguesa pelas terras conquistadas, ampliando-se sobretudo na época dos descobrimentos. Existem neste momento nove países que fazem parte da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que têm o português como língua oficial. Atualmente estima-se que o português seja falado por mais de 290 milhões de pessoas em todo o mundo.

A língua é um elemento vivo, que muda ao longo dos tempos e em diferentes culturas. O português de Portugal não é o mesmo falado no Brasil e isto se nota ao pisar aqui. Em Portugal você ouvirá um português mais formal e erudito, com concordâncias verbais e nominais perfeitas. Logo ao chegar, se você ainda não tinha percebido, rapidamente observará que em alguns momentos parecerá que falamos línguas diferentes. Obviamente que na maior parte do tempo nos compreendemos muito bem, mas existem expressões, palavras e costumes que você precisará aprender e que podem parecer bem estranhos e até mesmo divertidos. 

De cara, esbarramos na pronúncia: os portugueses costumam falar muito rapidamente e parecem não pronunciar as vogais, sobretudo na primeira sílaba de algumas palavras. Os estrangeiros, em geral, costumam dizer que entendem melhor os brasileiros e atribuo fortemente esta afirmação à questão das vogais e à velocidade. Por exemplo, portugueses parecem falar "pssoas”quando dizem “pessoas"; “prcebes” quando querem dizer “percebes”. Imagine isto várias vezes em frases faladas rapidamente. No início, parecemos perder boa parte do que eles dizem. Depois, acostumamos o ouvido. Mais diferenças: a palavra perceber pra eles é outra coisa. Quer dizer entender, compreender. “Não percebo” eles dizem frequentemente, e quer dizer que não entenderam. A todo instante você ouvirá também “peço desculpas”. São um povo educado no trato e usam a expressão como os ingleses e americanos usam o “excuse me”. Não é um pedido de desculpas propriamente, mas uma forma delicada de pedir licença ou lamentar algum eventual inconveniente. Não sei você, mas eu acho fofo!

Minha parte favorita: prepare-se para ouvir o português que você estudou na escola! Aqui fala-se o português como não lembro de termos falado no Brasil, inclusive com o emprego do pronome “vós" (ou você nasceu há uns 200 anos ou também não escutou). E coloca-se o pronome como aprendemos que é certo: “Via-a ontem pela manhã”, “Dar-te-ei o presente na semana que vem”, e assim por diante. Crianças muito pequenas falam um português corretíssimo e você pode se sentir um assassino da sua própria língua sempre que abrir a boca. Imagine nós, gaúchos, que fazemos uma combinação esdrúxula (para ser bem generosa)  entre o verbo e o pronome: falamos tu mas usamos o verbo como se falássemos você. E, pra piorar, em boa parte das vezes ignoramos o plural das palavras. Olhe que preciosidades costumamos dizer: “Tu foi ao cinema ontem?” ou “Custa 15 pila.” Feio, né? Talvez sejamos a vergonha nacional no quesito plural e concordância, fazer o quê? Gaúchos costumam chamar de “pila” pouco dinheiro ou troco. “Custou 10 pila”(assim, no gauchês e no singular), costumamos dizer no sul. Em Portugal,pila” quer dizer pênis. Se você perguntar : “O elétrico custa 3 pila?” causará um certo frisson por aqui. Outra diferença de significados? Numa loja de bijuterias podemos, sem querer, pedir sexo oral: para isto, basta pedir um broche ( que no Brasil é um acessório usado como pregador de roupas). E durex pra eles é camisinha, preservativo. Aqui o que você imagina chamar-se durex chama-se fita cola. Ah! E se algum português chamar seu filho de puto, relaxe. É assim que eles chamam as crianças do sexo masculino. Anote aí e não passe vergonha.

Uma coisa interessante: eles usam a palavra “menina” como se fosse “senhorita”. Você verá nas legendas dos filmes que “Miss Smith” vira “Menina Smith”. Pessoal, galera ou turma pra eles é “malta”. O ouvido estranha a princípio, mas como quase tudo, é uma questão de tempo e você acostuma. Quer outro exemplo? Eles perguntam: “A Denise gostava de ir à praia amanhã?”, falando comigo como se eu fosse uma terceira pessoa. “A Denise”. Você viu que eles não usam “gostaria”, usam “gostava”. Com o tempo, se a amizade se aprofundar, você passará a ser tratada por “tu”, não antes disso.  “Tu gostavas de ir à praia amanhã?”.  

Outra coisa: esqueça a expressão “sacar dinheiro". Aqui se diz "levantar dinheiro". Sacar tem uma conotação desagradável que pode ser "tomar à força", roubar. Tente esquecê-la em terras lusitanas.  Você descobre também que açougue aqui é talho; que trem é comboio; que sítio é lugar (como no espanhol); que arrecadação é onde se guardam coisas; que rés-do-chão quer dizer térreo; que os apartamentos são identificados pelo andar e se ficam à direita ou esquerda ( eu moro em um 3º Esquerdo) e por aí vai. 

Aqui você não joga nada fora: você deita fora. Ah! Comemore! Aqui não há gerúndio! Nunca mais você vai atender a um telefonema onde um atendente de telemarketing diz “vamos estar podendo lhe atender…”.  Ao invés do gerúndio, eles usam o infinitivo precedido pela preposição “a”: “carregando”, eles dizem “a carregar”; pensando, “a pensar”e assim por diante. E quando você telefonar, alguém vai atender e dizer: “Estou!” ou “Estou, sim!”. Isto quer dizer “Estou a ouvir”. Ao se despedir, alguns dizem: “Adeus…Com licença!". Eles não dizem tchau e pedem licença para desligar! Pedir licença para desligar também entrou pra minha categoria de coisas muito fofas!

Por que estou trazendo tudo isto? Porque é uma forma de, devagarinho, você ir se acostumando a uma nova cultura, novos costumes, novo jeito de falar. Dificilmente alguém irá corrigi-lo, eles costumam ser educados para não constrangê-lo, mas é claro que quando se conhecem algumas particularidades linguísticas e de costumes, costumamos interagir e nos adaptarmos com mais desenvoltura. 

Na dúvida, pergunte. Não tenha receio. O seu desejo de se integrar será apreciado.

Gostou do artigo? Conhece alguém que se beneficiaria com esta leitura?

Compartilhe à vontade este texto ou partes dele. Os artigos estão aqui para ajudar. Só peço a gentileza de que me atribua a autoria.

Compartilhe o artigo nas suas redes sociais: