Parecia Amor, mas era Roubada: a Dependência Emocional entre Casais como Precursora do Abuso Psicológico



Como saber se uma pessoa é dependente emocional do parceiro? Esta talvez tenha sido uma das perguntas que mais me fazem de uns tempos pra cá.

Gostar de estar sempre junto, trocar mensagens ou telefonemas o dia todo, só querer fazer programas onde o parceiro também possa ir caracteriza dependência? A resposta é… Depende.

No início do relacionamento, na fase da paixão, são comuns estes comportamentos de quase simbiose. De grude, mesmo. A paixão drena as energias e faz com que a pessoa viva muito em função do outro e este é um dos motivos da paixão não durar muito. Em média, ela dura de 2 meses a um máximo de 2 anos. Mais, nós simplesmente não aguentaríamos. Ficaríamos exaustos! A paixão causa exaustão porque todo o restante da vida praticamente é deixado de lado e a pessoa, objeto da paixão, vira quase uma obsessão. Com o tempo, ou o interesse acaba (e a paixão termina como ela começou, abruptamente), ou a paixão se transforma no amor, que é um sentimento mais tranquilo, que traz mais paz e serenidade. E as pessoas passam a dosar melhor ausências, esperas, outros interesses e outras pessoas.

Quando há dependência emocional, no entanto, a evolução não costuma acontecer desta forma. O frisson muda, mas a necessidade de manter a pessoa, objeto do seu afeto, em centro da sua vida e orbitar na volta dela é a característica mais acentuada.

A dependência emocional pode desempenhar um papel crucial na evolução de relacionamentos abusivos e tóxicos.

Aqui estão algumas maneiras pelas quais essa dependência pode contribuir para dinâmicas prejudiciais:

  • Vulnerabilidade a Manipulação

    • Indivíduos emocionalmente dependentes têm uma necessidade intensa de aprovação e aceitação. Isso pode torná-los mais propensos a aceitar comportamentos abusivos, pois temem perder o parceiro ou enfrentar a solidão.

  • Tolerância a Comportamentos Nocivos

    • A dependência emocional pode levar à tolerância de comportamentos prejudiciais. Pessoas dependentes podem justificar ou minimizar a gravidade do comportamento abusivo para manter o relacionamento intacto.

  • Medo da Perda e Submissão Excessiva

    • A dependência emocional pode gerar um medo intenso da perda do parceiro. Isso pode levar a uma submissão excessiva, onde o indivíduo suporta comportamentos abusivos com a esperança de manter o relacionamento.

  • Ciclo de Abuso e Desculpas

    • Relacionamentos abusivos muitas vezes seguem um ciclo de abuso seguido por desculpas e promessas de mudança. A dependência emocional pode prender a pessoa nesse ciclo, alimentando a esperança de que o parceiro mudará e proporcionará o apoio emocional desejado.

  • Autoestima Fragilizada

    • A dependência emocional pode contribuir para a baixa autoestima. Indivíduos podem acreditar que não merecem algo melhor ou que não conseguiriam sobreviver emocionalmente sem o parceiro.

  • Isolamento Social

    • Relacionamentos abusivos muitas vezes envolvem controle sobre a vida social do parceiro. A dependência emocional pode levar ao isolamento social, tornando mais difícil para a vítima buscar apoio fora do relacionamento.

  • Dificuldade em Estabelecer Limites

    • Indivíduos emocionalmente dependentes costumam ter dificuldade em estabelecer limites saudáveis. Isso pode permitir que o parceiro abusivo ultrapasse fronteiras emocionais e físicas.

  • Crença na Necessidade do Parceiro

    • A dependência emocional muitas vezes leva à crença de que o parceiro é essencial para a própria sobrevivência emocional. Essa crença pode manter a pessoa presa a um relacionamento abusivo, mesmo quando reconhece os sinais de toxicidade.

Não há abuso psicológico sem que antes tenha havido manipulação psicológica. Esta é considerada a “antessala do abuso” e precede a absolutamente todos os comportamentos de abuso psicológico que poderão vir a seguir. 

Numa das forma mais típicas de manipulação psicológica, o abusador leva a vítima a acreditar que ela deixa a desejar e que precisa se esforçar para estar à altura dele. Abusadores chegam a dizer que a pessoa tirou na loteria e que jamais ela teria ao seu lado uma pessoa tão boa quanto ele… O primeiro sistema a ser abalado é o sistema de crenças da vítima e sua visão sobre si mesma. Em seguida, o abusador abala a visão da vítima sobre ela, sobre ele, sobre as demais pessoas e sobre o mundo. Incansavelmente, ele fará com que ela se sinta muito sortuda por tê-lo na vida. E deixará claro o “quão agradecida” ela deverá ser e quais comportamentos são esperados da parte dela.  

Outra forma típica de manipulação é o abusador mostrar-se deficiente em determinada(s) área(s) onde deveria ser autônomo para que a vítima “tenha que salvá-lo”. Casos típicos aparecem quando o abusador não tem uma profissão ou uma carreira sólida e começa com comentários passivo-agressivos sobre o sucesso da parceira. A partir daí, a vítima poderá sentir constrangimento pelo próprio sucesso e começar a viver em função da “Missão: Salvar o Parceiro”. Esta segunda forma de manipulação é muito observada em casos de abuso financeiro ou patrimonial. O abusador se ressente do sucesso profissional da vítima e passa a levá-la a se sentir culpada e responsável pela ascensão profissional e/ou financeira dele. São frequentes os casos em que vítima tem poupanças construídas com esforço cujo acesso bancário é facultado ao parceiro, que gastará o dinheiro da vítima sem cerimônias.

As forma de abuso são as mais variadas possíveis e é muito comum que a vítima não perceba que está sendo abusada. Por conta da manipulação, ela acreditará que está fazendo o que deve fazer para ter um bom relacionamento, para não fazer o parceiro se sentir irritado ou frustrado, para que ele não se sinta mal consigo mesmo, para fazer sua parte como parceira e ajudá-lo a se desenvolver … e assim por diante. As crenças poderão ser as mais variadas, mas o efeito sempre será parecido: a sensação de permanente desconforto e os sentimentos de culpa e responsabilidade por deixar o parceiro feliz e satisfeito, custe o que custar, como se fosse responsabilidade sua.

*Trago os pronomes no feminino porque são muito mais comuns os casos de abuso psicológico praticado por homens em minha prática clínica, o que não exclui o fato de que existem, sim, muitas mulheres que também manipulam psicologicamente e são abusadoras, mas o abuso por parte delas costuma acontecer de forma um pouco diferente. Tratarei destes outros tipos de abuso em artigo futuro.

Um caso real

Recentemente assisti em um vídeo a um depoimento de uma influencer sobre seu relacionamento abusivo. Ela relatava que vivia em função do parceiro, que fazia de tudo para agradar ou, pelo menos, para não desagradá-lo. Que começaram com uma paixão avassaladora, um sexo maravilhoso e que ambos queriam estar juntos o tempo todo. Num primeiro momento, isso parece natural, não? Pois é. Abusos nunca costumam começar de outra forma. Parece sempre espontâneo, natural e o desejado a se fazer naquela situação…

Num primeiro momento, ela relata que ele dizia que eles deveriam viver um para o outro, que ela não precisava de amigos ou familiares por perto. Que o amor deles era suficiente. Aos poucos, passou a deixar claro que ela só iria a locais se ele fosse junto e que ele decidiria quais locais seriam estes. Em pouco tempo, ele passou a dizer que ela não se esforçava pelo relacionamento, causando tristeza nele. Quando ela fazia algo que ele gostava, ele repetia:”agora tu estás ganhando pontos comigo. Se continuar assim, no final de semana vamos na festa que tu queres ir”. Mais perto do final de semana, no entanto, ela fazia algo que ele não gostava e a resposta dele? “Tu perdeste todos os teus pontos comigo. Não vamos a festa alguma”… “Detalhe” importante: ela sequer imaginava o que ela fazia que causava contrariedade nele! Do nada, ele se fechava e ela tinha que saber o que teria causado incômodo nele. Ela conta que, passado pouco tempo, ela percebeu que “pisava em ovos” o tempo todo, com medo de frustrá-lo, irritá-lo ou que ele tivesse reações de punição e represália diante dos comportamentos dela.

Ela passou muito tempo presa neste ciclo de fazer tudo para agradá-lo, mesmo sem entender por que isto era tão importante pra ela. Até que, finalmente, ela considerou o desconforto grande demais para suportar e buscou terapia.

Como a terapia ajuda nesses casos?

Compreender de onde isso vem e a serviço de quê acontece é um trabalho feito em terapia. Lidar com crenças arraigadas dentro de si há anos, décadas ou mesmo por toda a vida é fundamental para interromper o ciclo de dependência e busca ou manutenção de relacionamentos abusivos.

Conhecer-se e compreender suas fragilidades e fortalezas pode ser um importante antídoto na hora de escolher um parceiro ou manter em sua vida quem quer que seja.

Será muito mais difícil romper (ou interromper) um modelo de escolha de relacionamentos sem ajuda profissional, pois há uma tendência grande de repetir o que já poderá ter se tornado um padrão para relacionamentos futuros. Até que se entenda a dinâmica envolvida e as crenças limitantes associadas, a pessoa pode passar a vida acolhendo abusadores sem conseguir romper com este tipo de funcionamento.

Tanto a pessoa que se deixa aprisionar (e só faz coisas com o parceiro ao lado ou coisas que ele permite) quanto aquela que coloca como missão de sua vida “salvar o parceiro” podem estar presas numa teia de submissão, abuso e violência psicológica que possivelmente tenha começado há muitos, muitos anos atrás.

Se for seu caso, busque ajuda. É impressionante o quão libertadora uma boa terapia pode ser. ❤️

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